quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A Bola de Cristal


Conto de autoria dos irmãos Grimm, traduzido do original por Ruth Salles e Renate Kaufmann 

Era uma vez uma feiticeira que tinha três filhos que se amavam fraternalmente; a velha, porém, não confiava neles, pensando que quisessem roubar-lhe o poder. Transformou, então, o mais velho numa águia, que teve de ir morar no alto de uma montanha rochosa; e, de vez em quando, podia-se vê-lo descrever grandes círculos no ar, para cima e para baixo. O segundo ela transformou numa baleia, que vivia nas profundezas do mar; e só se podia vê-lo quando ele, por vezes, esguichava um forte jato de água para cima. Ambos assumiam sua forma humana apenas duas vezes por dia.
O terceiro filho, temendo que ela também o transformasse num animal feroz, saiu de casa às escondidas. Ora, ele ouvira contar que no Castelo do Sol Dourado havia uma princesa encantada aguardando sua libertação. Todo aquele, porém, que tentasse libertá-la era obrigado a arriscar a vida, e já vinte e três jovens tinham morrido de morte horrível; só mais um poderia tentar, e depois a mais ninguém seria permitido.
Como seu coração nada temesse, tomou o mancebo a resolução de procurar aquele castelo. Vagava ele pelos arredores, já há bastante tempo, sem conseguir encontrá-lo, quando se viu numa grande floresta e não sabia onde era a saída. De súbito, avistou ao longe dois gigantes que lhe acenaram com a mão e, assim que ele se aproximou, disseram-lhe: 
- Estamos lutando por causa de um chapéu, para saber a quem deve pertencer; como temos a mesma força, nenhum pode subjugar o outro; os homens pequenos são mais inteligentes que nós, por isso queremos deixar para ti a decisão.
- Como podeis brigar por causa de um chapéu velho? – perguntou o mancebo.
- Tu não sabes as virtudes que ele tem; é um chapéu mágico, e quem o puser na cabeça pode desejar ir aonde quiser e, no mesmo instante, estará lá. 
Disse então o mancebo:
- Dai-me o chapéu! Andarei um pedaço do caminho e, quando eu vos chamar, começai a correr; e o chapéu será daquele que me alcançar primeiro.
Pondo o chapéu na cabeça, ele saiu andando, mas, com o pensamento na princesa, esqueceu os gigantes e continuou a andar. Ora, aconteceu que suspirando do fundo do coração, ele exclamou:
- Ah, se eu estivesse no Castelo do Sol Dourado!
Nem bem falara, encontrou-se no cimo de um alto monte, diante dos portões do castelo.
Ele atravessou todos os aposentos, até que no último encontrou a princesa. Mas que susto levou ao olhar para ela: tinha um rosto cor de cinza, cheio de rugas, olhos baços e cabelos vermelhos.
- Sois vós a princesa cuja beleza todo mundo enaltece? – exclamou.
- Ah! – respondeu ela – esta não é minha aparência, os olhos humanos só me podem ver neste feio aspecto; mas, para que saibas como sou, olha neste espelho; ele não se deixa enganar e mostra minha verdadeira imagem.
Ela pôs em sua mão o espelho, onde o mancebo viu refletido o retrato da mais linda donzela do mundo, e viu como, de tanta tristeza, as lágrimas lhe rolavam pelas faces. Então, ele disse:
- Como podeis ser salva? Eu não tenho medo de perigo algum.
Respondeu ela:
- Quem conseguir a bola de cristal e apresentá-la ao feiticeiro quebrará seu poder, e eu retorno à minha forma verdadeira. Ah! – continuou – por causa disso, vários já foram ao encontro da morte, e tu, tão jovem, tenho pena que te exponhas a tão grandes perigos.
- Nada me pode deter – disse ele – mas dizei-me o que devo fazer.
- Saberás de tudo – ela respondeu. – Descendo do monte onde está o castelo, encontrarás embaixo, junto a uma fonte, um touro selvagem, e com ele deves lutar. Se tiveres a sorte de matá-lo, de dentro dele se erguerá um pássaro de fogo, que leva em seu corpo um ovo incandescente, e esse ovo tem como gema a bola de cristal. O pássaro, porém, não solta o ovo senão quando é forçado a isso; e, se porventura o ovo cai no chão, incendeia-se, e queima tudo ao seu redor, e se derrete e, com ele, a bola de cristal; e todo seu esforço terá sido em vão.
Desceu o mancebo à fonte, onde o boi bufava e bramava para ele. Depois de demorada luta, ele o derrubou. Num piscar de olhos, ergueu-se de dentro o pássaro de fogo e quis alçar vôo; mas a águia, que era o irmão do mancebo e que estava voando por entre as nuvens, precipitou-se sobre ele, perseguindo-o até o mar, e bicou-o até que ele deixou que se soltasse o ovo. Este, porém, não caiu no mar e sim sobre uma cabana de pescador situada na margem, a qual logo começou a fumegar, prestes a ser consumida pelas chamas. Ergueram-se então do mar ondas enormes que, inundando a cabana, dominaram o fogo. O outro irmão, que era a baleia, viera nadando e impulsionara para cima a água. Tendo o fogo sido apagado, o mancebo procurou pelo ovo e, por felicidade, encontrou-o. Ele não se havia derretido, mas a casca, devido ao súbito choque com a água fria, rachara-se, e a bola de cristal pôde ser retirada intacta.
Indo o mancebo apresentá-la ao feiticeiro, este lhe disse:
- Meu poder está desfeito e, de hoje em diante, és o rei do Castelo do Sol Dourado. Com isso, também poderás devolver a teus irmãos a forma humana. 
Correu então o mancebo ao encontro da princesa e, ao entrar em seus aposentos, ela lá estava em todo o esplendor de sua beleza. E ambos, cheios de alegria, trocaram seus anéis.





quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Luas e Luas Autor: James Thurber


Em um reino muito... muito distante...Havia um rei muito... muito preocupado.
Sua filha, princesa Letícia, estava muito... muito doente e passava o dia inteiro de cama...O médico real já havia feito de tudo.
O rei muito... muito preocupado, chegou perto de sua querida filha e perguntou:
— Eu lhe dou tudo o que seu coração quiser... Seu coração quer alguma coisa??
— Sim! — disse a princesa Letícia. — Quero a lua. Só fico boa de novo quando tiver a lua. 
O rei sempre conseguia o que queria. Logo, imaginou que não seria problema conseguir a lua.
Então, o rei chamou o conselheiro real.
Era um homem engraçado... gordo... alto... e com óculos grandes que faziam seus olhos parecerem duas vezes maiores do que realmente eram. Também faziam o conselheiro real parecer duas vezes mais sábio do que realmente era.
E o rei disse: 
— Quero que me consiga a lua. A princesa Letícia quer a lua. Só assim ficará boa de novo.
— A lua?? — disse o conselheiro, arregalando os olhos... que o fez parecer quatro vezes mais sábio do realmente era.
— Sim!! A lua!! — disse o rei.
— Mas... é impossível... A lua fica a 55.000 quilômetros daqui... é maior que o quarto da princesa Léticia. Além de ser feita de cobre. Conseguir a lua?? ...é impossível!!
O rei ficou com muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Depois chamou o feiticeiro real.
O feiticeiro era baixinho... com um nariz de um palmo e meio... e usava um chapéu pontudo cheio de estrelas...
Ficou branco como a lua quando o rei lhe disse o que queria.
Então, o feiticeiro disse:
— Mas... é impossível... A lua fica a 250.000 quilômetros daqui... é maior que esse palácio . Além de ser toda feita de queijo. Conseguir a lua?? ...é impossível!!
O rei ficou com muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Depois, chamou o matemático real.
Era um homem careca, com um lápis em cada orelha... e que vivia fazendo contas...
Principalmente, quando o rei lhe disse o que queria... 
Então disse:
— Mas... é impossível... A lua fica a 500.000 quilômetros daqui... é maior que todo esse reino. Além de ser toda feita de prata... e é redonda e chata como uma moeda. Conseguir a lua?? ...é impossível!!
O rei ficou com muita... muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Depois chamou o bobo da corte.
O bobo chegou alegre e saltitante... e disse:
— O que posso fazer pelo senhor, Majestade?
E o rei disse, melancólico:
— Ninguém pode fazer nada por mim... A princesa Letícia quer a lua... mas ninguém pode consegui-la. Ah! Ninguém pode fazer nada por mim... por favor toque algo em seu alaúde... toque algo bem triste...
O bobo da corte começou a tocar algo no alaúde e perguntou:
— Mas o que eles disseram??
— Bom... o conselheiro real disse que era impossível... que a lua fica a 55.000 quilômetros daqui... é maior que o quarto da princesa Léticia. Além de ser feita de cobre. Já o feiticeiro real disse que era impossível... que a lua fica a 250.000 quilômetros daqui... é maior que esse palácio. Além de ser toda feita de queijo. E o matemático real disse que era impossível... que a lua fica a 500.000 quilômetros daqui... é maior que todo esse reino. Além de ser toda feita de prata... e é redonda e chata como uma moeda.
O bobo da corte pensou... e disse:
— São todos sábios... e todos devem estar certos... a lua deve ter exatamente o tamanho e a distância que cada um acha que tem... A questão é descobrir de que tamanho a princesa Letícia acha que ela é, e a que distância se encontra.
— Não tinha pensado nisso — disse o rei.
— Vou lá perguntar a ela, Majestade.
A princesa Letícia ficou feliz ao ver o bobo da corte...
— Você trouxe a lua para mim?? — perguntou ela.
— Ainda não... mas vou consegui-la. De que tamanho você acha que ela é?
— Ah! A lua é um pouquinho menor que a unha do meu dedão... Porque quando a coloco na frente da lua, ela a cobre direitinho...
— E a que distância ela fica?
— Não fica muito longe... Às vezes fica presa nos galhos mais altos dessa árvore do jardim real.
— Ah! Vai ser facílimo conseguir a lua para você. Vou subir na árvore esta noite, e quando estiver presa nos galhos vou pegá-la para você. Ah!! Mais uma coisa... A lua é feita de quê, princesa Letícia??
— Oh! Bobo da corte, mas como é bobinho... A lua é feita de ouro, é claro.
O bobo da corte foi correndo até o joalheiro real e pediu-lhe que fizesse uma luazinha redonda de ouro, só um pouco menor que a unha do polegar da princesa. Depois pediu que a pendurasse numa corrente de ouro, para que a princesa pudesse usá-la no pescoço.
O bobo da corte levou a lua para a princesa que ficou tão... tão feliz que no dia seguinte pulou bem cedo da cama e foi brincar no jardim real.
Porém, o rei continuava muito... muito preocupado.
Então, o rei logo chamou o conselheiro real.
— Precisamos esconder a lua — disse o rei. — Se a princesa Letícia vir a lua no céu, vai achar que mentimos para ela e ficará doente de novo e isso eu não posso suportar... Você precisa impedir que a princesa Letícia veja a lua brilhar no céu esta noite. Pense em alguma coisa.
O conselheiro pensou... pensou... e depois falou:
— Já sei!! Vamos fazer óculos escuros de forma que quando usá-los não vá enchergar nada.
O rei ficou muito zangado:
— Ficou louco?? Se ela não ver nada, vai sair esbarrando nas coisas e pode até se machucar...
O rei ficou com muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Depois chamou o feiticeiro real.
— Precisamos esconder a lua — disse o rei. — Se a princesa Letícia vir a lua no céu, vai achar que mentimos para ela e ficará doente de novo e isso eu não posso suportar... Você precisa impedir que a princesa Letícia veja a lua brilhar no céu esta noite. Pense em alguma coisa.
O feiticeiro pensou... pensou... e depois falou:
— Já sei!! Vamos fazer um grande cortina de veludo negro para contornar todo o palácio, assim ela não poderá ver a lua.
O rei ficou muito zangado:
— Ficou louco?? Assim o ar não vai entrar e ela pode adoecer.
O rei ficou com muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Depois chamou o matemático real.
— Precisamos esconder a lua — disse o rei. — Se a princesa Letícia vir a lua no céu, vai achar que mentimos para ela e ficará doente de novo e isso eu não posso suportar... Você precisa impedir que a princesa Letícia veja a lua brilhar no céu esta noite. Pense em alguma coisa.
O matemático pensou... pensou... calculou... calculou... e depois falou:
— Já sei!! Vamos soltar fogos de artifício todas as noite no jardim real assim ela não vai enxergar a lua com tanto brilho no céu.
O rei ficou muito zangado:
— Ficou louco?? Com essa barulheira toda ela não vai dormir e vai adoecer de novo.
O rei ficou com muita... muita... muita raiva e mandou ele sair da sala.
Então, chamou o bobo da corte.
O bobo chegou alegre e saltitante... e disse:
— O que posso fazer pelo senhor, Majestade?
E o rei disse, melancólico:
— Ninguém pode fazer nada por mim... Ninguém consegue esconder a lua para mim... Quando anoitecer, a princesa Letícia vai ver a lua... e vai achar que mentimos para ela e vai adoecer novamente. Ah! Ninguém pode fazer nada por mim... por favor toque algo em seu alaúde... toque algo bem triste...
O bobo da corte começou a tocar algo no alaúde e perguntou:
— Mas o que eles disseram??
— O Conselheiro sugeriu óculos escuros; o feiticeiro, cortinas por todo o reino; e o matemático, fogos de artifício...
E o bobo disse...
— Seus sábios conhecem tudo... se eles não conseguem esconder a lua, é porque não é possível escondê-la.
E rei deu um salto ao ver a lua surgindo no céu...
— Olhe!! — gritou. — É a lua brilhando no céu. Quem vai explicar como a lua pode estar no céu se está pendura em volta do pescoço dela?
E bobo disse:
— Bom... Quem soube dizer como conseguir a lua quando seus sábios disseram ser impossível?
— Foi a princesa Letícia.
— Portanto, a princesa Letícia sabe mais que os sábios e conhece melhor a lua do que eles... vou perguntar a ela...
E antes que o rei pudesse impedi-lo, o bobo da corte já estava entrando no quarto da princesa...
Ao vê-la na janela contemplando a lua... ficou muito triste e uma lágrima brotou de seus olhos...
— Diga-me, princesa Letícia... Como a lua pode brilhar no céu se ela está pendurada numa corrente em volta de seu pescoço?
A princesa olhou e riu...
— Oh! Bobo da corte, como você é bobinho... Então não sabe?? As luas são como dentes de leite... Quando uma cai, nasce outra no lugar!!

FIM